Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pés Descalços


Tenho um cansaço crônico, profundo, imenso. Meus pés e pernas doem constantemente, assim como sinto um desconforto cervical e lombar. Às vezes penso como gostaria de deitar e dormir profundamente sem pensar no relógio que está sempre por perto me mostrando que a próxima tarefa está próxima de iniciar. Este relato pode induzir quem lê a imaginar que sou uma pessoa preguiçosa e sedentária, mas pasmem, este é o sentimento de uma pessoa super ativa e quase maníaca. Levo meu filho à escola e faço ginástica no mínimo 3 vezes por semana, vou ao supermercado, busco ele na escola, vou à manicure 1 vez por semana, passo roupa todos os dias para não acumular, organizo meu apartamento de 2 andares sempre antes de sair revisando cada cômodo, inclusive guardando os inúmeros objetos atirados pelo Otávio. Organizo as mochilas dele (escola, clínica, natação) na noite anterior, dou banho, planejo as refeições, levo ao banheiro, atento para ele estar sempre limpinho e arrumado. E assim o dia vai passando, e meu corpo e mente se esgotam.
Imagino como seria bom não ser escrava de horários e compromissos tão repetitivos. Olhar um filme ou ler até tarde, sabendo que meu sono não seria interrompido e que nos finais de semana e feriados poderia dormir um pouco mais. Estar em um restaurante sem pressa de terminar a refeição. Poder chegar atrasada à escola para buscar meu filho e ele ainda reclamar que cheguei muito cedo. Programar passeios à praças sem me preocupar com o trânsito em torno, podendo sentar sossegada em um banco enquanto Otávio brincaria com outras crianças. Não me preocupar se ele está com vontade de ir ao banheiro, se está ficando com fome, cansado ou irritado. Simplesmente não me preocupar...
Otávio voltou a ficar bravo quando chega em casa, o que fazia quando tinha uns 2 anos e meio, no período em que foi feito o diagnóstico. Chega chorando, gritando e batendo pé. Transcorre um tempo e a raiva passa. Mas meu cansaço persiste.
Não sou triste. Não sou pessimista, nem alarmista. Mas gosto de expor a realidade como ela é. Esta é a vida de uma mãe de autista, seja pobre ou rica, casada ou solteira, dona de casa, empregada ou patroa. A jornada é árdua, requer condicionamento físico, saúde mental e apoio emocional.
Ainda bem que após a noite que acalenta sonhos e repousa o corpo em algumas horas de sono reparador, o novo dia traz a dose necessária de energia e esperança para o recomeço.

Silvia Sperling

domingo, 7 de agosto de 2011

Pequenas Grandes Alegrias

Enquanto esperamos ansiosos os avanços da medicina no tratamento do autismo, como medicações específicas para a síndrome e neuroestimuladores úteis para o melhor desempenho do cérebro humano, acredito que o melhor remédio atual é a oferta de atendimentos especializados, isto inclui terapia comportamental, atividade física, musicoterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e outras técnicas que proporcionem bem – estar e aquisição de ferramentas necessárias ao desenvolvimento das habilidades precárias no indivíduo com autismo.
Muitas vezes nós, pais, nos desanimamos pelo retorno lento e diminuto que obtemos com tanto investimento de tempo e dinheiro, mas é assim mesmo, devagar e sempre. Se nos abstermos de analisar qual metodologia específica empregada desde o primórdio dos tratamentos comportamentais é o mais eficaz, veremos que todos os métodos têm em comum a repetição de atividades da vida diária e de ensinamento de atitudes sociais adequadas, associada ao convívio próximo com o outro (seja a mãe, o pai, o cuidador, outras crianças,...). Desta maneira emergem a personalidade, o interesse em aprender e viver em sociedade e o prazer da descoberta de novas possibilidades de ser e estar neste mundo.
Meu filho somente agora, com 7 anos, consegue compreender situações mais complexas expressando características como o deboche e a satisfação e insatisfação. Também, recentemente , começou a desenvolver o simbolismo, empurrando uma boneca em um carrinho de criança e oferecendo comida a ela. É claro que na maioria das vezes utiliza seus brinquedos de forma esteriotipada, mas as conquistas referidas anteriormente me deixam muito feliz e tranqüila para liberá-lo em casa para estes momentos de “descarrego”.
Outra consideração que faço é sobre a importância que a rotina de atividades exerce sobre as pessoas com autismo. Ela é tranqüilizadora, e na medida que não “engessa” o indivíduo, ela deve ser mantida, visto a mudança comportamental que ocorre no período de férias escolares, por exemplo. O Otávio mostra-se alegre com as férias, mas ansioso, exacerbando os maneirismos e aumentando os momentos de choramingos e resmungos. Tento preencher o vácuo dos turnos da escola regular com atividades prazerosas como a natação e a ginástica olímpica, bem como, passeios à praças, cinema e viagens. É cansativo, mas uma nova rotina de férias é estabelecida e o comportamento e o humor vão se estabilizando.
De volta ao período escolar, Otávio está se mostrando muito confiante em sua turma e acompanhando as propostas de forma adaptada e com auxílio de sua assistente individual.
Concluo, que a organização exterior é primordial para a organização interna dos indivíduos com autismo, sendo necessário o estabelecimento de rotinas que mesclem o lúdico com o trabalho cognitivo, desta forma, colheremos os frutos da dedicação física e emocional.

Silvia Sperling