Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

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Aqui você encontrará histórias, emoções e sentimentos de uma mãe.
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domingo, 24 de março de 2013

Por Uma Vida Menos Ordinária



 

Felizmente, mais uma vez, o dia 2 de abril, Dia Mundial de Conscientização do Autismo, será promotor de discussões densas e intensas sobre esta síndrome. Já no mês de março, com o retorno às aulas, os meios de comunicação abriram espaço para o tema da inclusão escolar do autista, e, quando se fala na relação do autista com os demais colegas, sempre se levanta a questão do bullying e de quanto é tolerado a presença de uma pessoa tão diferente e com condutas tão distantes do considerado normal.

Acredito que o bullying não deve ser visto de um só ângulo, pois existe uma diferença crucial nos tipos de comportamentos inadequados para com o diferente. Existem maus tratos verbais e físicos por parte de pessoas malévolas e de mau caráter, que independem do fator educação. Pessoas sociopatas ou perversas se satisfazem em ver o sofrimento alheio e ignoram o sentimento do outro, portanto, não há como incutir a mudança de atos que geram dor e tristeza. Nesta forma de discriminação, as atitudes cruéis devem ser denunciadas e punidas.

No caso das situações mais comuns de preconceito e de constrangimento ao outro, temos como base a ignorância. Não falo no sentido pejorativo da palavra, mas realmente da falta de conhecimento. É aí que podemos e devemos atuar. Eu, como mãe de uma criança autista, relatando as agruras do meu cotidiano e a esperança depositada no futuro. Os terapeutas, educadores e cientistas, compartilhando o saber sobre a gênese da doença, suas repercussões, estratégias educacionais e avanços da medicina.

Conquistamos mais respeito para nossos autistas a medida que ganhamos mais espaço para desvelar a doença autismo. Mostrando os rostos das pessoas acometidas pelo transtorno, suas histórias, habilidades e deficiências. Apresentando nossos temores, lutas e anseios como familiares. Desta forma, construiremos uma sociedade mais tolerante, com menos olhares de reprovação e ofensas gratuitas. Moldaremos uma geração futura de adultos conscientes da diversidade humana e do papel individual no auxílio ao deficiente, e da aceitação do que não corresponde ao padrão de normalidade.

As pessoas que olham de maneira “atravessada” à comportamentos bizarros e descomedidos, quando impregnadas de informação sobre os motivos que levam alguns indivíduos a agirem desta maneira, mudam sua postura de afronta e passam para uma atitude mais compreensiva e, algumas vezes, até colaborativa. E, crianças, crescendo no convívio com o diferente, começam a considerar a diferença usual.

Assim: falando, debatendo e escrevendo, é que iremos proporcionar uma vida mais digna e plena para todos os autistas de nosso país, com olhares mais ternos e que enxerguem além do que o corpo inquieto revela.

 

Silvia Sperling

sábado, 2 de março de 2013

E a vida segue

Eu vou, mas sempre volto. Me afasto, mas retorno às palavras. Porque o pensamento transborda o dia inteiro, porém, faltam forças para expressar o que me acompanha e me atordoa. Meu menino cresceu, neste ano completará uma década de existência, e de certa forma eu também completarei dez anos de uma nova vida. O autismo de Otávio era considerado por mim e pelos que o acompanhavam, como sendo de grau leve, e ele, uma criança de afeto preservado. Hoje, considero seu autismo como de grau moderado, e seu afeto continua presente, mas suas dificuldades cognitivas e suas comorbidades neurológicas obscuras o tornam cada vez mais instável. A labilidade emocional nos mostra, de certa forma, que sua compreensão é maior do que a inferida, mas nos torna vulneráveis a seus ataques de raiva e agressão a si e a outros. Tentamos controlar os rompantes com medicamentos e nos perdemos neste emaranhado de condições, sem saber o que são descargas epileptogênicas e o que são descargas de sentimentos: a raiva da incompreensão, o isolamento provocado pela falta de expressão verbal, a ansiedade de viver neste mundo caótico, cheio de regras, cores, sabores, sons, letras e números. A cada início de ano letivo me pergunto se vale a pena insistir na escola regular, em tanto esforço para enquadrá-lo em um ambiente que muito pouco tem a lhe oferecer do ponto de vista do aprendizado formal. Mas quando entramos na escola e ele sorri e se abraça à pais, professoras e diretoras, não há como não buscar forças para mais uma jornada de tentativas, discussões e adaptações. Penso: temos que tentar sempre, até o dia em que sua presença em sala de aula se torne inviável, e os problemas se tornem maiores do que as soluções. Este dia pode chegar logo, imprevisivelmente, ou pode não chegar, e ele nos surpreender com sua vontade de pertencer a nosso mundo, maior do que tudo, maior do que sua doença. Eu espero atender às suas expectativas, ser uma mãe zelosa, inserir-lhe no nosso cotidiano sem ferí-lo demais, nem amá-lo de menos. Doar meu tempo, minha paciência e minha energia. Para tanto, não esqueço de mim, cuido diariamente de minha saúde física e mental. Delego tarefas, mas sem abrir mão da culpa de estar sendo feliz sem ele. Tenho que experimentar estas sensações, que mesmo não reveladas pelas mães de crianças independentes, são saboreadas de uma maneira natural e abastecem o interior, como substratos para a alegria de viver. Quem diz que conviver com esta doença é uma dádiva e que a vinda de um filho autista aprimora uma mãe, só pode estar encobrindo sua real dor e frustração, pois ninguém deseja dar à luz a tanto sofrimento e tão pouco poder fazer. De minha parte, busco incessantemente uma forma mais leve e positiva de enxergar nosso destino, de rever caminhos e me refugiar na paz. Somente com minha franqueza escancarada e minha alma exposta é que posso seguir acreditando que tudo vale a pena. Silvia Sperling