Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Asas da Liberdade

   Sempre escrevo sobre várias nuances do autismo e sobre os sentimentos como mãe de uma pessoa portadora de necessidades especiais. Há situações difíceis que vão se tornando mais tranquilas com o passar dos anos. Meu filho é exemplo disto. Hoje viajamos frequentemente de avião para destinos praianos, que ele tanto ama e que o deixam extremamente contente. Infelizmente,  desta vez não poderei falar sobre a alegria de mais uma destas viagens que tanto lhe acrescentam em termos afetivos e comportamentais. Quero utilizar este espaço para uma denúncia, mais um caso de desrespeito e ignorância que acabou por estragar nossa viagem de retorno de Camboriú. Somos clientes frequentes da Cia Aérea Azul, e rotineiramente fazemos este trajeto: Porto Alegre - Navegantes / Navegantes - Porto Alegre.  Otávio, como grande parte dos autistas,  não obedece as regras sociais da maneira esperada pelas demais.  Geralmente entra no avião eufórico ou ansioso e quer ficar de pé à frente de sua poltrona ou sentado no chão. Vamos conversando
com ele para que no momento exato da decolagem e aterrisagem ele permaneça um breve período sentado, com o cinto afivelado. Isto nunca foi empecilho para que um vôo transcorresse de maneira tranquila. Às vezes há comissários de bordo mais compreensíveis e amigáveis,  e outras vezes, alguns mais rudes e intolerantes, mas como disse anteriormente, nunca houve maiores problemas.    No dia 14 de dezembro, no vôo de Navegantes à Porto Alegre, no horário das 13:10h, pela Cia Azul, fomos surpreendidos por uma comissária de bordo extremamente despreparada, que não compreendeu a situação e exigiu que meu filho se mantivesse sentado  na poltrona  com o cinto, para a decolagem, mesmo enquanto o avião se mantinha no chão. Explicamos seu comportamento e informamos que sempre contornávamos o problema, conversando com ele na hora oportuna. Ela, de maneira intransigente, disse que não iniciariam o processo de decolagem com ele sentado no chão.  Ora! Nós sabemos que o taxiamento pode durar vários minutos e a espera pode ser longa até o avião deixar o solo.  Não adiantou a argumentação e a conversa ficou ríspida. Fiquei muito brava, pois sei que quanto mais tempo se perde para o início da viagem, mais nervoso o Otávio fica e mais difícil se torna conseguir seu comportamento adequado. Não cedendo em sua conduta grotesca, a comissária chamou o comandante. Eu esperava, desta forma, solucionar rapidamente a questão, com uma pessoa que imagina-se qualificada pelo cargo que exerce. O comandante reiterou que não decolaria com meu filho sentado no chão e queria que déssemos a percentagem de probabilidade de que conseguiríamos que Otávio ficasse sentado na poltrona com o cinto no momento da decolagem. Mas Meu Deus! O que eu estava ouvindo? Nós teríamos que dar uma previsão numérica da chance de seu bom comportamento? Nunca passei por isto. Depois de mais de meia hora de espera e bate- boca não sabia com seria sua atitude, pois eu mesma já tremia de raiva. Bem , com tamanha ignorância e sem a possibilidade de uma conversa conciliadora entre seres humanos racionais e empáticos, meu marido assumiu a responsabilidade de que Otávio estaria de cinto no momento da decolagem. Comuniquei, por fim, que relataria este constrangimento desnecessário aos órgãos competentes e para minha surpresa,  fui intimidada pelo comandante,  que disse: - Se a senhora escrever para o jornal comentando este fato serei obrigado a não decolar. Voltarei à cabine e ficaremos parados. E assim o fez. Eu já estava a ponto de explodir e tive que engolir toda minha revolta e me submeter, naquele momento, as exigências esdrúxulas de uma pessoa maléfica e inescrupulosa. Meu marido, novamente assumiu a situação, abafando o tema da denúncia e o vôo finalmente prosseguiu. Otávio, como já imaginado por nós, sentou na poltrona no momento da decolagem e da aterrisagem. Graças à sua imaturidade intelectual e alegria pueril, sorriu e comemorou com seus gritinhos e vocalizações durante a viagem. Já eu, não consegui nem olhar mais para o rosto da comissária e fiquei com o estômago embrulhado todo o trajeto. Agora, livre das ameaças que tolheram nosso direito de ir e vir, posso gritar bem alto minha indignação ao preconceito, ao qual tanto se luta todos os dias, seja por meio da imprensa ou de expressões culturais, como o teatro, o cinema e a televisão.  Eu, como uma simples mãe que escreve sua dor, sua vitória, seu lamento e sua obstinação, vou continuar gritando e assim, dando voz à meu filho e garantindo seu direito de ser feliz e conviver em sociedade à seu modo.  
                                                                                                         Silvia Sperling Canabarro