Nós, familiares de autistas, ansiamos a cada novo obstáculo que a doença nos apresenta, encontrar manejos e recursos que nos auxiliem proporcionar uma melhor qualidade de vida ao portador da síndrome. Sabemos que durante o desenvolvimento da criança, passando pela adolescência até a vida adulta, o autista pode manifestar sintomas e comportamentos que trazem desde prejuízos sociais até impactos neurológicos mais comprometedores , como as convulsões.
Meu filho teve seu primeiro episódio de convulsão generalizada ainda quando criança. Foi um episódio isolado até seus 17 anos. A experiência é aterrorizante para quem nunca presenciou . Em um segundo seu filho está sentado olhando TV e no outro seus olhos reviram e seu corpo tomba num tremor incontrolável. Isso pode durar segundos ou minutos que parecem intermináveis. Não há o que fazer para cessar a crise, só manter seu corpo protegido de lesões físicas.
Nessa primeira experiência corremos para a emergência para avaliar suas condições pós evento epileptogênico. Nada constatado, volta-se para a vida normal, que nunca mais será normal, visto que já não o era.
O medo e a ansiedade permeiam os dias seguintes, mas com o apoio de profissionais e tendo em mãos o tratamento medicamentoso indicado nos tornamos mais confiantes e esperançosos de que esses eventos não se repitam, pelo menos num futuro próximo.
No início de 2020, um mês antes do início da pandemia, o terror se instalou novamente com três episódios em sequência de convulsões, desde a primeira mais severa até a última mais leve. Adequamos as medicações e após um mês a vida voltou ao nosso normal, e naquele momento, ao novo normal da humanidade.
Isso tudo me impactou muito, pensei que afundaria na depressão. Não achava justo ter que lidar com o autismo e, de repente, com a epilepsia associada. Onde isso vai parar, me perguntava. Sempre me esforcei para ser positiva e ter momentos alegres, cultivar meus momentos de paz e prazer, com minhas plantas e atividade física. Mas crises convulsivas não estavam no meu planejamento de manejo de problemas.
Como o tempo e o arsenal medicamentoso tratam quase tudo, novamente seguimos nosso caminho tortuoso, sem crises generalizadas, ou seja, sem aqueles eventos pavorosos de tremores e quedas com perda de consciência. Mas quem convive com a epilepsia sabe que ela se manifesta de maneiras mais sutis e que o olhar atento do cuidador percebe quando as descargas neurológicas estão ocorrendo. Percebemos desde maneirismos faciais e corporais até comportamentos disruptivos.
Quando meu filho começou a andar nu em casa, com o olhar vago , perdendo o interesse pelo inseparável tablet , pela TV e até pela comida que adora, me desesperei. Pensei, agora tornou-se um alienado, típico de instituições psiquiátricas, como a que tive o desprazer de conhecer quando fiz um estágio de familiarização há muitos anos atrás. Aquelas pessoas vagando sem rumo , gemendo e urrando eram cenas dilacerantes. Isso não! Algo entrou em disfunção no seu cérebro. Foi então que tive um insight e propus à médica o uso do canabidiol. E é sobre este assunto que quero me aprofundar.
No mês de Conscientização do Autismo comumente fala -se sobre o preconceito que a pessoa deficiente sofre, mas não posso deixar de abordar neste momento, o preconceito à essa medicação tão promissora que é o canabidiol.
Nunca fumei maconha e nem pretendo, apesar de achar que o álcool que consumo com certa frequência deve ser mais prejudicial que a erva em questão. Mas o canabidiol não é maconha e isso deve ficar claro de uma vez por todas , para que ideologias religiosas ou políticas não contaminem a compreensão e o apoio da sociedade na luta de milhares de pessoas que se beneficiam desse medicamento.
Após a introdução do canabidiol, em poucos dias, meu filho voltou ao comportamento adequado. Desapareceu a mania bizarra de andar nu, melhorou muito a qualidade do sono, ficou mais feliz, tranquilo e focado. Também reparei que quase desapareceram os movimentos faciais involuntários que tanto me afligiam, me levando a inferência de serem descargas elétricas cerebrais que poderiam evoluir para uma convulsão.
Não há como ignorar os impactos positivos do canabidiol no tratamento da sintomatologia do autismo e de tantas outras enfermidades. Esse óleo extraído da planta Cannabis Sativa, que não causa efeitos alucinógenos ou dependência, é um grande aliado na obtenção de qualidade de vida de pessoas que sofrem e fazem uso de inúmeras outras medicações danosas aos órgãos pelo uso prolongado das mesmas.
Chega de desconfiança das vacinas, da difamação da indústria farmacêutica e do repúdio ao desconhecido. É hora de ouvirmos os especialistas e celebrar o avanço da medicina.
Não faço apologia ao uso recreativo da planta, mas sim à utilização medicamentosa do óleo, prescrita pelo profissional habilitado.
Assim, compartilho minha experiência exitosa com o canabidiol. Meu filho segue com inúmeras outras medicações, portanto, ainda não chegou a pílula milagrosa, mas espero que essas gotas que trouxeram alívio a um corpo e uma mente disfuncional, possam fazer parte do tratamento de muitos outros autistas, e que o acesso seja facilitado com a regulamentação do plantio da Cannabis Sativa para fins medicinais, o que acarretará em produção nacional com insumo próprio , barateando o produto de forma considerável.
Já que a sociedade clama por inclusão, devemos lutar também pela inclusão da população de baixa renda ao tratamento com canabidiol.
A nossa sagrada natureza nos oferta esse insumo valioso para seu bom uso, e nisso não há nada de profano.
Silvia Sperling Canabarro