Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

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Aqui você encontrará histórias, emoções e sentimentos de uma mãe.
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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tuas Palavras Silenciosas

Como é viver num mundo sem palavras? Num mundo de gemidos, gritos, uivos, lamúrias e melodias. O surdo-mudo não expressa oralmente o que pensa, mas se comunica através da escrita e da linguagem gestual, o que o conecta facilmente com nosso mundo cheio de expressões significantes. Com o surdo-mudo podemos trocar informações e sentimentos, há o caminho dos sinais que fazem a ponte entre dois seres. Mas, no autista não-verbal, encontrar este canal de comunicação é muito mais árduo e por vezes, inalcançável. Recorremos ao olhar, ao comportamento, às expressões faciais. Temos que ensinar constantemente a eles que nos mostrem o que querem, mas muitas vezes, nem eles sabem o que desejam. Será a confusão mental da doença ou nossa ignorância em relação aos seus desejos? Meu filho compreende grande parte do que é dito a ele, pois o que lhe é solicitado é feito, mas o resto do que lhe é revelado: nossos sentimentos, alegrias, tristezas, será que é compreendido? Esta é uma dúvida e uma agonia. Qual o alcance de nossas palavras no mundo do autista que não fala? “Senta aqui”, é um comando entendido, assim como em um adestramento de outros seres vivos, mas a frase “Eu te amo!”, como é recebida e decodificada? É certo que nossos atos “falam”, portanto, nossa frase recheada de sorrisos, abraços e beijos, significam muito, trazem conforto e aconchego, dispensando explicações. Mas sempre estaremos em dúvida de como nossas ações e palavras são interpretadas. Os olhos de Otávio são repletos de emoção e significado, muitas vezes parecem transbordar sentimentos e não é raro ouvir de outras pessoas que ele “fala com os olhos”. É verdade que seu mundo interior transparece através da utilização de seu corpo como instrumento de comunicação, e repleta o ambiente vazio. Ele existe, pensa, sofre e comemora em seu mundo de imagens e sons, sem acesso a esta gama de palavras que enchem minha cabeça e preenche linhas e mais linhas de escritos. Esforço-me para quando estamos a sós, comunicar-lhe o que estou fazendo e o que farei em seguida. Questiono-lhe a todo momento sobre como está se sentindo, recebendo, muitas vezes, um sorriso ou um resmungo e até, algumas vezes, uma pequena palavra inesperada, como: bem, bom. No entanto, nossa luta diária busca encontrar o caminho que acesse este espaço de pensamentos e sua conversão em palavras faladas e escritas, que nos aproxima dos outros, agrega e tranquiliza. Enquanto este dia não chega, recheio os dias de meu pequenino silencioso com estímulos, sensações e vivências. E preencho o meu tempo com leituras, conversas, risadas, choros e sonhos. Sonhos de que um dia o sofrimento e a alegria de Otávio possam ser traduzidos em palavras, e a frase “Eu te amo!”, tenha sua real dimensão compreendida. Silvia Sperling

domingo, 6 de maio de 2012

AMOR DE MÃE

Estou lendo a surpreendente história de Eliana Zagui, a jovem de 38 anos que desde os 2 anos de idade mora no Hospital das Clínicas de São Paulo, por conta da poliomielite. Sua trajetória é dura, massacrante, solitária, porém, ela, a protagonista, se mantém leve e batalhadora, encontrando conforto e força em amigos que foram entrando em sua vida. Uns apenas passaram, e outros, poucos, permanecem a iluminar seu caminho até hoje. Algo que me chocou muito no seu relato é a quantidade de crianças que foram abandonadas no hospital por seus pais após o diagnóstico de enfermidades severas que as impediram de levar uma vida normal. Tanto crianças muito pequenas, quanto as maiores, que já tinham muitas histórias em família e um grande apego com irmãos e pais, após o acometimento de uma doença de devastação física ou neurológica, ou ainda, após um acidente que deixa sequelas irreversíveis, em sua maioria, são apagadas da estrutura familiar como se tivessem morrido. Como pode uma mãe se desligar de um filho da noite para o dia, principalmente no momento que ele mais precisa de apoio, carinho e dedicação? Eu penso que tenho o direito de fazer muitas coisas que me deixam feliz e que me trazem tranquilidade, mas acredito que hoje não tenho o direito de fazer tudo o que gostaria, por ter um filho especial que necessita de muito mais cuidados e disponibilidade de tempo de minha parte do que dispenderia com um filho “normal”. Quando nasce um filho, a mulher deve despir-se de seus antigos papéis e assumir o maior e mais importante deles, que requer abnegação e entusiasmo. Isto é ser mãe. Fazer de seu tempo e sua vida um reflexo de seu filho. Se estes sentimentos de entrega e responsabilidade com o outro não são despertados na mulher após o nascimento de uma criança, ali não nasceu uma mãe e desta pessoa não podemos esperar as atitudes de proteção e amor soberano. É cruel, mas há mulheres que simplesmente não se sentem mães e mesmo assim colocam filhos no mundo, como se esta fosse a ordem natural da vida: procriar como bichos. Mas não o somos totalmente. Somos seres muito mais complexos e que dependemos de outro ser por um breve período, e algumas vezes, para o resto da vida. Se a decisão de ter um filho fosse realmente pensada e amparada por sentimentos verdadeiramente altruístas, penso que casos como o de Eliana teriam outro percurso, menos nebuloso. Nós, mães, não temos o poder de afastar as mazelas do mundo de nossos rebentos (Bem que gostaríamos!), mas temos o dever de mover montanhas para tornar sua dor mais fugaz ou suportável. Gerar um filho é o comprometimento com duas vidas para o resto de nosso tempo. Parece exagero, mas é amor de mãe: profundo, intenso e eterno. Silvia Sperling