Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Bem vindo!

Aqui você encontrará histórias, emoções e sentimentos de uma mãe.
Bem vindos!

sexta-feira, 30 de março de 2012

Eu Amo Alguém Com Autismo

Lembro-me que o câncer, até algum tempo atrás, era uma doença vista como maldita, o que não deixa de ser uma meia verdade, mas o que quero ressaltar é a conotação da palavra, sinônimo de mau agouro, que muitas vezes não era nem pronunciada pelo portador ou menos ainda pelo indivíduo são, com medo do que representava a condição de possuir esta patologia. Hoje, vejo o autismo seguir esta mesma trajetória. Muitas denominações são atribuídas à síndrome, como Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Transtorno Global do Desenvolvimento, Transtorno Atípico, e assim por diante. Muitas famílias não utilizam o termo autismo como se este fosse uma maldição, ou como se não utilizando a palavra seu filho tivesse uma condição mais branda da doença e um melhor prognóstico. Sabe-se que há vários tipos de autismo e vários graus de acometimento intelectual, mas o que importa é o diagnóstico precoce do desenvolvimento anormal da criança para a estimulação imediata e intensa.
Neste dia 2 de abril, celebraremos mais um Dia Mundial de Conscientização do Autismo, e todos envolvidos nesta condição estarão, de alguma forma, mostrando para o mundo que estes indivíduos pensam, sentem e agem de modo diferente. Todos que compartilham esta situação de vida estarão atentos às notícias veiculadas, as histórias de vida relatadas e celebrarão à sua maneira esta data de reflexão. Nesta ocasião, os portadores da Síndrome de Asperger, do Autismo de Alto e Baixo Funcionamento, e todos do espectro estarão sendo lembrados e tendo seus direitos reivindicados.
Neste dia não haverá medo nem preconceito quando a palavra autismo for pronunciada, e sim um sentimento de união e força que inundará o coração de milhares de pessoas.
A forma como cada família digere esta pesada realidade é algo muito íntimo e de difícil entendimento, por isto, deve-se respeitar o silêncio e a introspecção de alguns indivíduos, enquanto outros ‘’gritam aos quatro ventos’’ seus problemas e expõem seus filhos de maneira natural. Mas, de qualquer maneira que se encare a situação, no dia 2 de abril, vamos aproveitar a oportunidade para enterrarmos a vergonha e o sentimento de inferioridade, e buscar a valorização da pessoa com autismo. Vamos mostrar que os autistas são alegres, carinhosos, espertos e companheiros, e que precisam de apoio, compreensão e oportunidades. Vamos entoar: Eu amo alguém com autismo!

Silvia Sperling

quinta-feira, 15 de março de 2012

Profissão de Fé

Conheci recentemente a mãe de um menino com autismo, ele é um pouco mais novo que meu filho. Ela é manicure e eu, coincidentemente, fiz a mão com ela em um sábado. A primeira coisa que a perguntei foi: Como você consegue trabalhar? A esta pergunta ela olhou para uma colega e sorriu, repetindo a questão com ênfase. É muito complicado, concorda esta mãe e todas as outras mães de autistas, creio eu.
Tenho o privilégio de não precisar trabalhar além de cuidar de meu filho, mas a minha rotina é tão puxada quanto a de uma workaholic. Estou sempre com o celular em mãos aguardando a ligação da escola para pegar o Otávio no meio da manhã porque ele está agitado e choroso, ou levando-o para um atendimento, ou buscando-o de outro. Em algumas atividades tenho que aguardá-lo no local, em outras, resta um tempinho para os meus afazeres pessoais e de casa, mas sempre correndo contra o tempo e planejando as próximas tarefas.
Ser mulher, esposa, trabalhadora e mãe já requer habilidades extraordinárias tão difundidas e valorizadas, mas quando esta mãe tem um filho autista, seu stress pode ser multiplicado em várias vezes. Como conseguir um emprego que tenha uma jornada completamente fragmentada? E gerenciar um negócio, tendo que conciliar a contratação e controle de funcionários, burocracias e todo o restante de responsabilidades, com a culpa de seu filho estar sendo cuidado por outras pessoas que necessitam manejar seus ataques, administrar medicações e acompanhar constantemente suas atividades da vida diária? E encontrar estes locais de atendimento com pessoas qualificadas e carga horária extensa?
Eu sempre me surpreendo com as histórias de vida destas guerreiras e penso: O que sobra de tempo para se sentirem humanas? Sim, pois não nos é permitido sentir sono, dores e prazeres. Às vezes, somos presenteadas pelo acaso com uma noite tranquila, com momentos de relax, encontros agradáveis e mimos de princesa, mas definitivamente, não existe mãe de autista dondoca.
Sentamos e logo temos que nos levantar, abrimos um livro e em seguida temos que fechá-lo, sonhamos, mas somos arrastadas para a realidade. E então, você quer trocar de lugar?
Eu trocaria na hora meus momentos cronometrados de academia e manicure, por uma jornada de trabalho fixa, com almoços e jantares tranquilos, com finais de tarde de bate papo com amigas, cinema e passeios sem pressa. Deve ser ótimo comemorar a sexta- feira e a chegada das férias. Nosso calendário não tem feriado.
Muito prazer. Meu nome é Silvia, minha formação é Nutrição e minha profissão é mãe de autista.

Silvia Sperling.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor

Esta frase da música de Nelson Cavaquinho expressa meu sentimento mais profundo. Canso nos períodos atribulados, de muitas atividades do Otávio, de agitação e bagunça. Mas, me desiludo mesmo, na época de calmaria em que afloram sintomas desorganizadores e amedrontadores. Já houve fases de ataques de fúria, assim como dias inteiros de choro e hoje, prevalecem a hiperatividade e a falta de tolerância em locais públicos, a diminuição de horas de sono e ritualizações para dormir.
Entrei na roda viva de medicações que, como já falei, auxiliam bastante, mas mascaram o que é a doença e o que é efeito colateral. Tenho medo de medicar em excesso, tenho medo de sucumbir ao medo e não medicá-lo como deveria. Tenho medo de não ter esta noite de sono completo e reparador. Tenho muitos medos... Chego ao ponto de sonhar com a insônia dele. É enlouquecedor.
Carrego tantas idéias na cabeça quanto dores no coração. Pode parecer exagero ou algo poético, mas sinto realmente que meu coração hoje é mais sofrido e inquieto, dói tanto quanto meu físico. O sorriso que me acompanha diariamente esconde a fadiga de um dia extenuante. Continuo a cultivar minha vaidade, cuidar da saúde, organizar e decorar a casa, mas, muitas vezes penso que tudo isso é em vão. Vivo em busca da perfeição em meio ao caos do meu interior, que vive aos cacos. A doença de meu filho me maltrata e eu sei que também o machuca. Perco a paciência com ele e mais ainda com quem não o aceita.
Sofro todos os dias, faça chuva ou faça sol, frio ou calor, haja alegria ou tristeza. Descobri que devo aprender a viver amando mais do que ser amada e lutar mais do que saborear glórias.
Vou em frente: adaptando agendas, incluindo atividades, planejando o dia de amanhã e juntando os caquinhos que ficaram pelo caminho.

Silvia Sperling.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

INTERVALO

Dei um tempo da caneta, dos relatos, dos vídeos, da internet, enfim, do autismo. Passei por um mês difícil e por outro alentador, descobri a importância de estar cercada por profissionais competentes, valorizar o conhecimento e flexibilizar condutas. Como se afastar do tema autismo estando ele presente em todo momento de minha vida?
Na verdade me dediquei mais à observação de meu filho, de suas inconstâncias emocionais e tentei achar alternativas de uma maneira tranqüilizadora para todos nós. Tivemos que recorrer a medicamentos para minimizar sua irritabilidade e confusão mental, e eu que sempre desacreditei no efeito benéfico das drogas disponíveis me surpreendi pelo resultado positivo no seguimento da prescrição feita pela neurologista.
Não há solução mágica e definitiva para os sintomas da doença, mas temos que estar atentos ao curso da patologia: agravamento de condutas, estagnação de aprendizado, labilidade emocional, etc. E desta forma, buscar auxílio, pois é possível levar uma vida satisfatória e feliz tendo autismo e sendo familiar de autista. Assim como a troca de informações e situações entre familiares é incrivelmente terapêutica, o distanciamento e a reflexão também o são. Poder parar para avaliar o que vem sendo feito , o que foi conquistado e o que deve ser modificado é extremamente positivo e necessário. Ler romances, olhar comédias, viajar no meio da semana, rir por vários motivos, chorar sem motivo algum. Isto tudo nos fortalece.
Não tenho um filho normal e, portanto, não pretendo ter uma vida normal. Meus horários são diferentes da maioria das famílias, assim como minhas expectativas, minha rotina e meus pensamentos. Cada vez mais estou no contra fluxo: fico quando todos vão e vou quando todos ficam. Busco o sossego no meio do agito de final de ano. Quero respeitar meus sentimentos sem deixar de proporcionar lazer e momentos divertidos para meu querido.
O próximo ano nos reserva grandes desafios: a tentativa do ingresso de Otávio no ensino fundamental, o que requer sua permanência em sala de aula por um tempo maior e a realização das atividades pertinentes ao currículo da primeira série.
Que venha o futuro! Só peço que junto com as novidades venham o apoio das terapias e dos terapeutas, dos amigos e de meu amor. E que o silêncio me ajude a compreender os desejos de meu filho.

Silvia Sperling

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Enquanto houver sol

Sei que a preferência do clima quente não é uma unanimidade, mas tenho certeza de que a maioria das pessoas sente-se melhor com a chegada da primavera e de dias mais ensolarados, principalmente quem mora no sul do Brasil, que é o meu caso. O sol oferta sua energia e torna as tarefas mais agradáveis, afasta os maus pensamentos. Poéticamente, aquece o coração.
Se para qualquer criança o inverno e a reclusão necessária da época já é um tormento, imagine para uma criança autista, hiperativa. A chegada da primavera proporciona mais opções de lazer ao ar livre, contato com a natureza e a prática de atividades físicas como a natação, com maior freqüência. Meu filho tem o humor muito afetado no início do outono, apresentando-se muito irritado. O calor não impede que os momentos difíceis de birra ocorram, mas há possibilidades de dar vazão ao descontentamento, batendo os pés no chão, terra ou areia, gritando ao ar livre, sentindo o vento no rosto, ou mexendo na água, seja da torneira, mangueira, piscina ou mar. As roupas leves propiciam maior contato do corpo com materiais diversos, o que o agrada muito, visto que sempre busca estar de pés descalços e sem camisa.
Sempre imagino como seria positivo se pudéssemos viver em uma praia de clima quente o ano inteiro. Nada cura o autismo, mas a vida em meio à natureza, quase selvagem, diminui a pressão exercida sobre as pessoas em geral, e mais ainda sobre quem não consegue compreender plenamente as regras sociais que vão contra seus desejos. Vislumbro em várias ocasiões meu garoto guiado por seus instintos mais primitivos, querendo alimentar-se quando tem fome ou beber quando tem sede, apropriando-se do alimento sem importar a quem pertence. Este sentido da propriedade: meu e teu, deve ser ensinado e repetido frequentemente, para que situações constrangedoras não ocorram. Da mesma forma acontece com a invasão do espaço físico do outro: se a mesa que ele gosta em um restaurante estiver ocupada, Otávio simplesmente tentará retirar a pessoa do lugar, pois na sua percepção este local pertence a ele.
Esta maneira de estar no mundo, sem levar em consideração os sentimentos e desejos do outro, que é uma característica presente, em maior ou menor grau, em todos os autistas, torna mais complexa e conturbada as relações sociais em ambientes restritos. Para a aprendizagem é necessária uma delimitação de espaço proporcionando maior concentração, mas para o extravaso de energia e criatividade, nada melhor do que saborear a liberdade. Correr em meio à mata, sentar sobre um tronco de árvore, observar as formigas, ouvir atentamente os pássaros, sentir o calor do sol. Estes são prazeres que a primavera nos traz e que auxiliam o transcorrer mais sereno do dia a dia com nossas pequenas feras.

Silvia Sperling

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Pés Descalços


Tenho um cansaço crônico, profundo, imenso. Meus pés e pernas doem constantemente, assim como sinto um desconforto cervical e lombar. Às vezes penso como gostaria de deitar e dormir profundamente sem pensar no relógio que está sempre por perto me mostrando que a próxima tarefa está próxima de iniciar. Este relato pode induzir quem lê a imaginar que sou uma pessoa preguiçosa e sedentária, mas pasmem, este é o sentimento de uma pessoa super ativa e quase maníaca. Levo meu filho à escola e faço ginástica no mínimo 3 vezes por semana, vou ao supermercado, busco ele na escola, vou à manicure 1 vez por semana, passo roupa todos os dias para não acumular, organizo meu apartamento de 2 andares sempre antes de sair revisando cada cômodo, inclusive guardando os inúmeros objetos atirados pelo Otávio. Organizo as mochilas dele (escola, clínica, natação) na noite anterior, dou banho, planejo as refeições, levo ao banheiro, atento para ele estar sempre limpinho e arrumado. E assim o dia vai passando, e meu corpo e mente se esgotam.
Imagino como seria bom não ser escrava de horários e compromissos tão repetitivos. Olhar um filme ou ler até tarde, sabendo que meu sono não seria interrompido e que nos finais de semana e feriados poderia dormir um pouco mais. Estar em um restaurante sem pressa de terminar a refeição. Poder chegar atrasada à escola para buscar meu filho e ele ainda reclamar que cheguei muito cedo. Programar passeios à praças sem me preocupar com o trânsito em torno, podendo sentar sossegada em um banco enquanto Otávio brincaria com outras crianças. Não me preocupar se ele está com vontade de ir ao banheiro, se está ficando com fome, cansado ou irritado. Simplesmente não me preocupar...
Otávio voltou a ficar bravo quando chega em casa, o que fazia quando tinha uns 2 anos e meio, no período em que foi feito o diagnóstico. Chega chorando, gritando e batendo pé. Transcorre um tempo e a raiva passa. Mas meu cansaço persiste.
Não sou triste. Não sou pessimista, nem alarmista. Mas gosto de expor a realidade como ela é. Esta é a vida de uma mãe de autista, seja pobre ou rica, casada ou solteira, dona de casa, empregada ou patroa. A jornada é árdua, requer condicionamento físico, saúde mental e apoio emocional.
Ainda bem que após a noite que acalenta sonhos e repousa o corpo em algumas horas de sono reparador, o novo dia traz a dose necessária de energia e esperança para o recomeço.

Silvia Sperling