Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Beleza da Imperfeição


 Analisando meu modo de ver o mundo me descobri uma pessoa perfeccionista, não chega a se caracterizar um TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), mas me proporciona um grande conforto ajustar cada detalhe de minha casa, enfeitar cada parede, distribuir simetricamente minhas amadas plantas e objetos de decoração. Gosto de ver cada ambiente disposto como se aguarda-se ser fotografado para uma revista. Às vezes tento me recordar se sempre fui assim, mas somente lembro de meu encantamento com a escolha de minhas roupas. Sempre fui elogiada por meu primor em me vestir. Mesmo na época de escola não descuidava do vestuário e isso se perpetuou ao longo dos anos de faculdade e residência. No Morro da Tuca, onde eu atendia, logo após minha conclusão do curso de Nutrição, eu era chamada de menina do sapatinho de cristal, por causa de uma sandália de salto anabela transparente que usava. Desfilava o dia inteiro, subindo e descendo as escadas do posto de saúde.
 Bem, conto isto porque acredito que a chegada de Otávio, meu menino “imperfeito”, me causou tanto alvoroço interno e sensação de fragilidade, que me vi obrigada a estender esta característica de controle para o meio que me cerca, como uma necessidade contínua de organizar o que pode ser organizado, visto que a vida não me deixou opção com meu filho.
 Lidar com as imperfeições de Otávio é um trabalho árduo, mas tenho aprendido a suportar, entender e acolher sua maneira peculiar de enxergar a vida e agir frente à ela. Confesso, no entanto, minha dor quando presencio cenas corriqueiras entre mães e filhos pequeninos se comunicando de maneira rica e intensa. Ouço as combinações de passeios, as reivindicações de presentes, os assuntos banais sobre amigos, escola e festas. Tanta coisa nos foi privada! Mesmo assim, construímos uma relação baseada no contato físico, no olhar e, acredito que, na sincronia de nossos corações, pois quando me perguntam: Como vocês se comunicam? Não sei bem explicar, mas sei que desenvolvemos uma linguagem somente nossa, que dispensa as palavras. Porém, existem as lacunas: os silêncios, os choros, os gritos, os socos incompreensíveis, que nos machucam no fundo da alma e, mais uma vez, destacam a dimensão do que é ser imperfeito.
Não conseguir expressar perfeitamente, não compreender perfeitamente. É desta imperfeição de que falo e desta perfeição da qual sinto falta. A perfeita engrenagem do corpo humano, que quando em pleno funcionamento, nos proporciona tantas sensações e momentos únicos, como a revelação de uma paixão, a degustação de saborosos alimentos, o prazer de uma boa risada e a construção de belas amizades.
 A ruptura deste perfeito funcionamento orgânico pode nos causar grandes prejuízos, como o que acontece na desordenada conexão cerebral do autista. Seus rompantes de raiva e agressão refletem a frustração por não conseguir se ajustar às demandas sociais, que passam por nossa organização mental. Pois, sabemos o que esperam de nós, muitas vezes a partir de um simples gestual. Mas, como corresponder às expectativas do outro, se tudo parece tão confuso e sem lógica na ótica do autista ?
 Não me canso de olhar profunda e insistentemente para o rosto de meu filho. Uma pintura requintada, de traços suaves, considerada a expressão da beleza. O retrato da perfeição. Mas, dentro de si habita toda a sua (e a minha) natureza imperfeita. Nossa condição frágil e incongruente, exposta de forma tão crua que me assusta e faz com que eu procure incansavelmente uma forma de assumir a maestria na condução de nossas vidas. Quero cobrir de flores esta estrada tortuosa e árida e, assim, tentar ser feliz.                                                                                                                                         Silvia Sperling Canabarro