Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Alô Alô Marciano

Acordo agradecendo à saúde de minha família. Mais um dia de cuidados,  rotinas caseiras e agora, pós vacinação,  talvez seja um dia de atendimento terapêutico de meu filho,  uma das três tardes da semana em que ele pode se divertir e ampliar seu espectro de vivências,  nessa abrupta ruptura de vida imposta pela pandemia. 

Me sinto constantemente invadida pelo pensamento de que sou tão excluída da sociedade quanto meu filho autista. Não me sinto mais integrante desta coletividade alienada, que tenta forçadamente viver como antes da aparição deste vírus infernal. Vejo as pessoas aglomeradas em ambientes fechados, ou em ambientes abertos, sem máscaras ou com suas inúteis máscaras de tecido,  mal postas , com suas incessantes mãos ajeitando ou querendo livrar-se delas.

Será que essas mentes destemidas não se amedrontam frente à imprevisibilidade deste vírus traiçoeiro? Não percebem a vulnerabilidade biológica humana,  e como fomos expostos a uma verdadeira roleta-russa viral?

Outro dia peguei minha mochila da academia,  parecia uma relíquia do túnel do tempo, com a saboneteira, o desodorante,  o elástico de cabelo. Alguns pertences que faziam parte do meu dia a dia de pseudo atleta. Ah, que saudade...Me contento, atualmente,  com as aulas no YouTube,  tentando recuperar os dias perdidos e perder os quilos adquiridos. Nada mais é igual. Mas porque olho ao redor e vejo uma multidão vivendo como se nada estivesse acontecendo? Será que sou louca? Tenho um comportamento disruptivo? Entretanto,  acompanho as notícias e elas corroboram minhas preocupações. A variante Ômicron está aí. As mortes não cessaram. Os casos voltaram a crescer em um ritmo desenfreado .As vacinas, infelizmente,  não conseguiram ainda nocautear as sucessivas variantes deste vírus implacável. 

Não posso fechar os olhos para a ciência e seguir a manada ensandecida,  que age de forma pueril e parece residir na Terra do Nunca. Obviamente, também desejo arrancar essa máscara que cobre meu sorriso e amordaça minha voz. Não vejo a hora de colocar um batom e sair sem planejamento e temor constante. Retomar a vida , antes dita normal, podendo tocar em objetos,  provar roupas,  sentir aromas. Ignorar a multidão e caminhar livremente. No entanto,  por ora, opto pela minha máscara N95, meu álcool spray e meu seguro distanciamento, almejando com muito fervor que os velhos prazeres me aguardem lá na frente. 

Um dia, quando a segurança sanitária se reestabelecer,  resgatarei minha mochila,  colocarei todos os aparatos de atividade física e partirei para minhas aulas de dança e de exercícios corporais , repletas de mulheres, burburinhos, abraços e descontração. Mas sei que esse cenário ainda é distante. Então fico aqui, no meu planeta Terra,  embalada pela atemporal música de Elis Regina:

Alô,  Alô,  Marciano 

Aqui quem fala é da Terra 

Pra variar , estamos em guerra 

Você não imagina a loucura 

O ser humano tá na maior fissura porque 

Tá cada vez mais down in the high society...


                                Silvia Sperling Canabarro