Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Autismo - Uma Vida em Poucas Palavras

Bem vindo!

Aqui você encontrará histórias, emoções e sentimentos de uma mãe.
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segunda-feira, 28 de março de 2011

Sobre o tempo

Cinco anos se passaram desde o diagnóstico de meu filho. Há cinco anos atrás eu me desesperava e sentia um buraco abrir-se dentro de mim, uma dor única que sou incapaz de traduzir, só sei que aquele sentimento era um misto de medo e tristeza profunda. A revolta deu lugar à luta e após outros períodos angustiantes na evolução da doença, que exigiram paciência e persistência no tratamento eleito, hoje, saboreio momentos mais felizes. A felicidade, este sentimento que parecia ter me abandonado no momento do diagnóstico do autismo, voltou a acalentar meu coração. Sintp-me feliz ao ver meu filho feliz quando nos acompanha nos passeios de final de semana, na rotina do dia adia, nas viagens de avião, nos banhos de mar e de piscina, na chegada e saída da escola, na prática da atividade física e no convívio com os demais. Sinto-me feliz de poder cuidar de mim, de freqüentar a academia, de ir ao salão de beleza, de ler, de olhar televisão, sair para jantar, tomar uma cerveja e viajar com meu marido. Sinto-me feliz por ter este marido companheiro que é um pai extraordinário, que leva e busca o filho da escola, que vai a todas as consultas pediátricas e estuda a noite inteira o que é up date na literatura médica sobre o autismo. Só não gosta de ir à parques e tomar sol, mas daí já seria pedir demais...
Se consegui resgatar a alegria de viver e o prazer de pequenos momentos acho que já sou vitoriosa. Hoje posso dizer que a vida vale a pena mesmo com traçados tão estranhos a nossos olhos e repertórios tão distintos de nossos sonhos infantis.
Portanto, sofra somente quando for inevitável e reserve um lugar no seu coração para a alegria reencontrar a sua morada e te devolver a paz.

Silvia Sperling.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dia Azul

Dia 02 de abril está chegando, esta data já está consagrada em vários lugares do mundo como o Dia de Conscientização do Autismo. Há caminhadas, palestras e mobilizações diversas para chamar a atenção da população para o problema e se discutir a situação de milhares de pessoas acometidas por esta síndrome. Prédios e monumentos são iluminados de azul como forma de expressão, para que se pare e reflita sobre o tema. O que estamos fazendo por nossos autistas? Como os estamos tratando?
Meu filho progride a cada mês e ano, a seu ritmo, mas de maneira feliz e com o suporte de todos atendimentos que se fazem necessários. Tem uma vida social ativa e neste verão fez sua primeira viagem de avião, experiência esta que tanto apreciou, que se repetiu mais duas vezes nas mesmas férias. Curtiu um resort com infraestrutura completa que acolhe suas necessidades de lazer e tranquilidade, e manias gastronômicas. Com todas estas vivências qualquer ser humano se desenvolve e potencializa suas habilidades, mas como um portador de necessidade especial que não tem acesso à terapias e convívio social normal pode desabrochar e sentir-se parte da sociedade? Se lhe é privada a educação, a relação com o outro e o convívio com as regras sociais, por ignorância do cuidador ou do Estado, o prognóstico é quase fatal: a marginalização do indivíduo e a perda da identidade de um ser único.
Temos que dar voz aos autistas não-verbais e auxiliar à compreensão dos que podem falar mas
não conseguem se fazer entender, pois o modo de enxergar o mundo pelo autista é quase irreal para nós, e se somos uma espécie dita evoluída, temos que aceitar o diferente e aprender com ele.
Está mais do que na hora de mobilizarmos nossa região , carente de iniciativas frutíferas nesta área, o que deixa inúmeros pais à mercê da sorte no tratamento de seus filhos ( a sorte de encontrar bons profissionais, boas escolas,de poder custear a estrutura necessária).
Vamos nos juntar a esta luta e fazer com que o dia 2 de abril de 2011 seja colorido de azul em vitrines, roupas, prédios, e que esta data entre no calendário de Porto Alegre e marque o
início de um novo tempo. Tempo de conhecimento, compreensão e ação em prol de nossos autistas.

Silvia Sperling.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Ano Novo, de novo

Final de mais um ano chegando, muitas pessoas envolvidas nos preparativos das festas e compra de presentes. Algumas eufóricas com a temporada de praia, com a época vibrante do verão, o que inclui sol, amigos e também mais festas. Também me incluo no percentual de pessoas que adora o calor, sol e mar. Ficamos com o corpo mais livre, mais despojados e alegres, por esta razão, meu filho também curte muito este período de liberdade. Pode andar descalço, visto que luta o ano todo por esta conquista, e tranquiliza-se atirado no sol e mergulhado na água,como se nada mais fosse preciso para ser feliz.
Mas, próximo ao Natal, com as comemorações na escola, sinto um vazio, pois estas convenções expõem a limitação de meu filho, que mais uma vez não consegue acompanhar os ensaios para a apresentação de uma coreografia de encerramento de ano. O agito das crianças empolgadas com o evento e a ansiedade das mães com as fantasias e filmagem, me colocam cara a cara com a solidão de meu pequeno. Sua incapacidade verbal e de envolver-se em jogos, cada vez o distância mais da companhia de crianças de sua idade. Por mais que os colegas se esforcem em incluí-lo na turma, enchendo-o de carinho, os beijos e abraços das meninas não conseguem trazê-lo ao nosso mundo convencional, cheio de abstrações, regras e formalidades. Ele segue sendo o estranho no ninho, com seus rituais reconfortantes, curtindo seu cantinho na sala de aula, os objetos eleitos por ele como seus brinquedos prediletos e acompanhando a rotina a seu modo, no seu ritmo.
Por isto, talvez, não consigo mais me empolgar com a frenética fantasia de final de ano, pois meu menino não prepara uma lista interminável de presentes, nem aguarda ansioso a chegada do Papai Noel e a hora da ceia de Natal e Ano Novo. Na verdade, à meia- noite ele já estará dormindo, sendo a noite dos dias 24 e 31, iguais às outras todas do resto do ano.
Assisto a tudo em câmera lenta, tentando acomodar meus pensamentos e sentimentos, aproveitando a época de reflexão para me fortalecer e enfrentar um novo ano de desafios, na esperança de que a ciência avance a passos largos na busca das causas e cura do autismo, e apostando na evolução da sociedade no que diz respeito à tolerância e convívio com o diferente. Mas o sol aquece e o mar embala nossos sonhos, tornando-os mais concretos e passíveis de realização. Talvez, o bom velhinho me presenteie com noites tranquilas e bem dormidas, e com dias recheados de alegrias e pequenas vitórias, e assim meu coração tornará a aquietar-se e a bater em compasso com os demais.

Silvia Sperling.

domingo, 19 de setembro de 2010

A MISSÃO

Ser mãe de uma criança especial me faz ouvir algumas vezes a seguinte frase: você é uma pessoa especial, pois só pessoas especiais recebem esta missão. Esta afirmação com intuito carinhoso e estimulador, sempre me causa desconforto, pois eu bem sei que nunca me preparei para esta tarefa, e ainda hoje não me sinto desenvolta e dona da situação. Me pego muitas vezes impaciente e irritada com o trabalho que um filho com necessidades especiais requer.
Os dias são agitados, com uma agenda apertada de escola e atividades extra-classe. As refeições devem ser planejadas de acordo com o hábito e o paladar de meu filho, na rua a atenção é constante, com os veículos, o abrir e o fechar de portões, os cães; e mesmo em locais fechados há as escadas rolantes, as portas de elevadores e tudo que nos cerca e que a maioria de nós, mães, só se dá conta e vê como ameaça por uns dois anos, enquanto as crianças são ainda consideradas bebês. Mas para mim esta cautela já dura sete anos e não há prazo para acabar.
E as noites mal dormidas que afligem as mães de recém-nascidos? Ah! Eu me lembro de quando me acalentava a idéia de que meu filho cresceria e dormiria sozinho, por muitas horas e de que eu, então, teria que brigar para tirá-lo da cama no horário de ir para a aula. Que sonho bom! Ainda espero este dia, por enquanto ele só ocorre em períodos de doença. As noites insones são corriqueiras, e quando há a felicidade de um sono ininterrupto de oito horas, durmo em estado de vigília, como se a qualquer momento o sonho acabe.
Os dias sem atividades planejadas se arrastam e as horas de sono voam. As conquistas são pequenas gotas em um oceano de desafios. Os dias passam um após o outro, as crianças voam em seus aprendizados, experts nas novas tecnologias, algumas com vasto vocabulário, e meu filho voa pelo mundo na sua hiperatividade, mas caminha a passos vagarosos no que diz respeito ao aprendizado.
Que ser especial sou eu? Sou somente uma mãe tentando fazer o meu melhor, proporcionando as vivências necessárias ao desenvolvimento de meu menino, e retribuindo o amor que ele se esforça tanto para me expressar. Minha missão é não desanimar, mas eu não fui eleita por possuir as qualidades necessárias, mas terei que me desapegar de atributos indesejáveis, como a inveja, a covardia e a revolta, e assim, talvez, me tornar uma pessoa melhor, especial.

Silvia Sperling.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Inclusão que Exclui

Inclusão é a palavra que impera, falamos da inclusão social, da inclusão de pessoas com deficiência, e eu como mãe de uma criança especial, venho falar sobre o sentimento de exclusão que sinto constantemente neste mundo de exigências e expectativas depositadas sob nossos pequenos. Ouço a discussão de mães sobre a necessidade de seus filhos falarem outro idioma o mais cedo possível, já na educação infantil, e eu sonhando com o dia que o meu filho simplesmente fale a nossa língua, comunique verbalmente o que quer e o que sente. Outras mães reclamam do tempo que seus filhos permanecem em frente ao computador, e eu gostaria que o meu menino se interessa-se de maneira espontânea por esta ferramenta que facilitaria seu aprendizado. Algumas mães, ainda, lamentam que seus filhos estão crescendo, cada vez mais independentes, não parando mais em casa, com preocupações que englobam apenas amigos e festas. Ah, se eu pudesse ter esta certeza de que meu filho terá a autonomia necessária para uma vida independente, que frequentará festas e fará amigos. E a conversa sobre a escolha da carreira dos pequeninos, suas grandes aptidões e interesses já manifestados precocemente...

Sinto-me uma extraterrestre, com desejos tão simplórios e um cotidiano tão comum. Sei que devo participar das festas da escola, mas o que fazer se no Dia das Mães, as crianças estarão organizadamente dispostas no ginásio para cantar, e meu filho não terá participado dos ensaios, pois, certamente não ficaria em um lugar marcado e, obviamente, não cantaria as palavras esperadas. Poderia, no entanto, pular e dançar, vocalizando alegremente o que brota de suas cordas vocais, mas esta forma de participação nunca é planejada, pois, como é comumente dito, isto seria expor a criança. Mas, a inclusão não pressupõe a exposição da pessoa com deficiência, sem rejeição.

Sinto-me excluída deste mundo dito normal, e faço uma enorme força para proporcionar ao meu filho experiências sociais comum a todas as pessoas. O levo ao cinema, mesmo que tenha que sentar no canto de uma fileira, e o deixá-lo livre para ficar de pé sobre a cadeira ou pulando no chão. Ele se diverte, o filme é infantil, mas as crianças devem se comportar bem, o que significa ficar sentadas e quietas, e muitas mães olham com reprovação o comportamento dele. Me refugio em ambientes nos quais ele já conquistou os funcionários e donos, como restaurantes e padarias, em que graças à pessoas iluminadas, ele é tratado de maneira carinhosa e respeitosa, e desta forma, sinto-me um pouco incluída na vida dos normais.

Não sei se meu sentimento de exclusão encontra eco no coração de outras mães de crianças especiais, mas a verdade é que cada parque é uma ilha e cada passeio uma aventura cheia de emoções e incertezas.

Silvia Sperling

domingo, 15 de agosto de 2010

A Deficiência Social

Meu filho está de férias da escola, mas no entanto, permanece com as atividades terapêuticas que preenchem sua agenda e animam sua semana: é a clínica de estimulação da aprendizagem, a ginástica olímpica, a equoterapia, a terapia ocupacional, e nossos passeios. Penso, como uma família sem condições financeiras adequadas, pode num país como o nosso, proporcionar o atendimento e o lazer adequados a um filho com necessidades especiais. Estes atendimentos são dispendiosos e poucas são as famílias que conseguem custear a gama de propostas interessantes que surgem a todo momento, e que sem dúvida, têm um impacto positivo no desenvolvimento das crianças. Surge um sentimento de impotência e remorso em pais que não conseguem proporcionar o melhor atendimento a seu filho, ou que o privam de atividades que complementam o trabalho da escola. Sem falar que a ausência de atividades extra-classe exacerba a hiperatividade comum em síndromes como o autismo, aumentando as esteriotipias e interferindo na atenção necessária ao aprendizado.
Nossos autistas merecem locais com infraestrutura adequada: aulas complementares com metodologia apropriada a deficiência, espaço para prática de atividade física orientada, treinamento de atividades da vida diária, oficinas de criatividade e espaço de convivência.
Por quanto tempo teremos ainda que esperar pela criação destes serviços comunitários? É justo que nossas crianças tenham suas potencialidades restringidas pela falta de acessibilidade? Em época de campanha será que ao menos algum candidato se propõe a discutir o tema?
Nós, pais, aguardamos propostas e torcemos para que, em tempo breve, todas as crianças portadoras de necessidades especiais sejam acolhidas de forma efetiva.


Silvia Sperling.